No Limiar do Fogo da Geena - parte 6
(as armadilhas do diabo)
"Ai do mundo por causa das tentações" - disse o Senhor, mas acrescentou: "porém, elas precisam vir" (Mat. 18:7). "Precisam" - provavelmente para o nosso benefício. O Senhor não quer que nós confiemos só em nós mesmos, sem nos preocuparmos com a vida, mas deseja o nosso crescimento e aperfeiçoamento espiritual.
O Senhor revelou até certo ponto o sentido das tentações na parábola sobre as ervas daninhas (tentações). O semeador (neste caso, o Senhor) semeou boas sementes (o Bem) no seu campo, mas o seu inimigo (o diabo) semeou no meio delas ervas daninhas (tentações). Quando os servos do semeador, ao perceberem as ervas daninhas crescerem, pediram permissão para arrancá-las, este negou dizendo: "Não, para que, talvez, não suceda que, arrancando as ervas daninhas, arranqueis juntamente com elas o trigo. Deixai crescer uma e outra coisa até a ceifa" (quer dizer, até o julgamento). Só então, os anjos removerão do Seu Reino todas tentações e os desregrados para que sejam arremessados ao tanque de fogo" (Mat. 13:24-42). Em outras palavras, a remoção antecipada das tentações prejudicaria o processo de aperfeiçoamento das almas.
A exemplo dos mundos vegetal e animal, onde a luta pela existência leva ao desenvolvimento de espécies mais perfeitas e resistentes, a luta contra as tentações traz à formação de almas mais firmes e também mais caridosas. Como uma liga preciosa é submetida à prova de fogo, ou como um estudante é sujeito a um exame, assim, o futuro habitante do Reino Celeste é experimentado pelas tentações (1 Pedro 1:7). Destes e de outros trechos da Sagrada Escritura deve-se deduzir que uma atividade limitada do espírito tentador enquadra-se nos desígnios de Deus, e Ele a tolera para o benefício dos homens. Entretanto, Deus não permite seu domínio irrestrito, mas somente sobre aqueles que por si mesmo se submetem a ele.
Como seria explicado o fato de que um anjo outrora luzente e chegado a Deus, dedica-se agora a atividades tão baixas e sujas que têm por objetivo levar os seres humanos a toda espécie de torpeza? Alguns pensam que ele, sádico como é tem prazer em torturar. Isto é verdade, mas existe outra causa importante. Lembremos, que Lúcifer afastou-se de Deus por orgulho. Ele quis equiparar-se ao Criador na Sua glória e poderio, mas sofreu derrota pelos anjos que permaneceram fiéis a Deus. Agora, ele procura, na medida do possível, subordinar o maior número de seres humanos. Isto ele não consegue somente por esforço próprio, enquanto as pessoas que conservam em si parcelas do Bem acham-se sob a proteção de Deus. Para apoderar-se de alguém, o diabo primeiro tem que deformá-lo moralmente, o que consegue por meio do pecado. Acostumado a tentar os seres humanos no decorrer de muitos milênios, o diabo se aperfeiçoou nesta arte imunda. Eis, os seus principais artifícios:
- Atuação às escondidas.
- Adaptação.
- Assédio paulatino
- Perseverança.
- Mentira.
Para que o homem sucumba à tentação, é importante antes de tudo, que ele a confunda com a sua própria vontade. Então, ele mesmo vai lutar por aquilo que sente como importante para a sua felicidade e seu bem estar. Para isso o diabo oculta por todos os meios a sua presença e esconde-se por trás de um quadro de circunstâncias aparentemente casuais, benéficas para o homem. Além disso, antes de tentar, o diabo estuda atentamente o caráter do homem, - suas propenções, fraquezas, e ajusta a elas as suas tentações. A narração do livro dos Atos dos santos Apóstolos, que vemos a seguir, ilustra estes métodos de tentação. Como é sabido, os primeiros cristãos viviam de tal modo unanimemente, que tudo era considerado propriedade de todos. Os mais abastados vendiam seus bens para com o dinheiro ganho ajudar aos irmãos necessitados. Graças a este amor sincero, fraternal, ninguém dos cristãos passava por privações, e os estranhos viam neles um exemplo para toda sociedade. Então, um homem próspero, de nome Ananias com receio de adquirir fama de avarento, resolveu também vender suas propriedades e doar o dinheiro para a comunidade. Temendo ficar pobre, combinou com a esposa Safira entregar aos Apóstolos apenas parte do dinheiro ganho com o negócio, guardando o resto para eventuais dias difíceis. Em si, isto não era reprovável - a eles cabia o direito de dispor livremente sobre seus bens. Mas eles não queriam nem de longe parecer interesseiros e recorreram à mentira. Ao entregar para o Apóstolo Pedro uma parte do seu dinheiro, Ananias declarou solenemente que oferecia todas as suas posses. O Apóstolo, sabendo por revelação Divina, que Ananias o estava enganando, disse: "Ananias, como é que satanás se apossou de teu coração, para que mentisse ao Espírito Santo e retivesse do preço do campo? Não é verdade que conservando-o, era teu, e mesmo depois de vendido, não estava em teu poder o (preço)?... Não mentiste aos homens, mas a Deus. Ananias, ao ouvir estas palavras, caiu e expirou" (Atos, 5:1-11).
Daí vemos como o diabo jogou com a fraqueza e a vaidade de Ananias. Ele era muito apegado às suas posses, mas queria granjear a fama de grande benfeitor. Nisto, o diabo inspira-lhe um compromisso genial de como conservar a propriedade e, ao mesmo tempo, assegurar a gratidão de todos. Se Ananias admitisse honestamente que ofereceu apenas uma parte do seu dinheiro, não seria censurável. Ele porém, movido pela vaidade, escolheu o engano. Pôde ludibriar os seres humanos, mas não Deus, porque o Senhor prometeu recompensa para quem doar os seus bens aos indigentes e segui-Lo, carregando a cruz da pobreza.
A prática de agir paulatinamente constitui outra arma que o tentador usa com sucesso. Levando em consideração a aversão natural do homem ao vício, o diabo o acostuma a pecar aos poucos, facilitando as pequenas fraquezas. Ao mesmo tempo, ele tranqüiliza com o pensamento de que isto vai ser um caso isolado de desvio da conduta e que após alcançar o desejado ele continuará a ser honesto e virtuoso. Caso o homem se renda à tentação, o diabo irá lhe oferecer outra semelhante, porém um pecado mais grave, sob a camuflagem de um pequeno afastamento da norma. "Você se retratará mais tarde," tranqüiliza o sedutor. Assim, na medida em que o homem deixa as tentações dominarem-no, afunda cada vez mais no lamaçal do pecado sem perceber que tornou-se escravo de suas paixões, sem força de vontade própria e uma presa para o príncipe das trevas.
Vamos dar um exemplo disto: Suponhamos que alguém no seu caminho se depara com uma carteira no chão. Ao abri-la descobre uma certa quantia de dinheiro. Na carteira também há um cartão com o nome e o endereço do dono. O seu primeiro impulso seria devolver depressa o bem alheio. Mas o tentador se aproxima do seu ouvido e sussurra que seria mais sensato apossar-se do achado. "É como se a Providência lhe mandasse o dinheiro em hora difícil. Aqui, não podemos falar em roubo, pois o dinheiro estava à vista de todos e qualquer um poderia pegá-lo." Nisto, a consciência, num aparte insiste que apoderar-se da propriedade alheia é um pecado, e assim sendo, urge descobrir o dono, pois ele também necessita do dinheiro. Mas o diabo contesta a consciência e procura, usando a lógica convencer de que tudo está em ordem, - você não meteu a mão no bolso de ninguém e o que foi achado é seu. Se o homem atender ao apelo da voz da consciência e devolver o achado - decerto experimentará uma satisfação no íntimo por ter agido honestamente e não ter se aproveitado do azar de outra pessoa. Se, porém, não resistir à tentação dará oportunidade ao diabo de empurrá-lo para procedimentos ainda mais desonestos, num esforço de transformá-lo em um enganador, ladrão e bandido.
O método diabólico de agir gradativamente pode ser observado com maior evidência no caso de Judas - um dos doze Apóstolos. Judas, por ser tesoureiro, tomava conta da caixa que guardava o dinheiro proveniente de donativos para as necessidades dos Apóstolos e para a distribuição entre os pobres. Lidar com o dinheiro sempre oferece oportunidade à tentação e, como mostram os Evangelhos, Judas cedeu a esta. Assim, ele começou pouco a pouco a "emprestar "para seus próprios gastos. Com pena do pecador, o Senhor delicadamente procurou corrigir Judas, mas sem resultado. Judas transformou-se em ladrão sem se dar conta disto. Finalmente, a paixão pelo dinheiro dominou-o de tal modo, que por trinta moedas de prata ele vendeu o seu Mestre. Assim, gradativamente, o diabo apoderou-se de um dos discípulos mais próximos a Cristo e levou-o ao terrível pecado e ao suicídio.
Sem ter acesso direto à vontade do homem, o diabo tenta dirigi-la por meio de pensamentos e sentimentos que, por sua vez, dependem de influências externas. Por isso, o diabo se esforça para apresentar aos nossos olhos e ouvidos algo sedutor. Nisto, na medida em que o homem deixa os pensamentos e sentimentos pecaminosos tomarem conta dele, o diabo domina a sua vontade e o escraviza.
O diabo leva em consideração a nossa inconstância. Ele sabe que a princípio, qualquer homem, por mais que já tenha vencido as tentações milhares de vezes, pode cair em pecado num momento de fraqueza ou descuido. Por isso, ele não o deixa em paz até o último suspiro. Não tendo êxito numa das sucessivas tentações, ele espera com tenacidade uma nova chance para tentar levar ao pecado. Psicólogo experiente, o diabo sabe que o homem está mais fraco nos momentos de cansaço ou aborrecimento. Em alguns casos ele espera que o homem relaxe e fique com a vigilância afrouxada e assim, menos cauteloso. Então, neste instante o diabo aparece e como um furacão investe contra a pessoa, empurrando-a precisamente para o pecado ao qual ela é mais suscetível.
Justamente pela perseverança é que o diabo conseguiu seduzir o maior justo do Antigo Testamento - o rei Davi. Davi, após sobreviver a muitas perseguições e sair vencedor de outras provações, chegou a reinar sobre Israel. Seus inimigos perderam a força, as guerras acabaram, vieram os anos de paz e de prosperidade e Davi ficou um pouco descuidado. Numa certa ocasião, quando ele saiu na cobertura do palácio real, viu na casa vizinha uma bela mulher banhar-se na piscina. Quis saber quem era. Era a esposa de um oficial de seu exército. O conhecimento travado com a bela vizinha despertou um ardente desejo e o rei caiu em pecado. Betsabéia engravidou, e como esta era fruto de adultério, pelas leis hebraicas ela deveria ser morta por apedrejamento. Querendo salvá-la desta morte desonrosa e cruel, Davi chamou o seu marido que participava de uma campanha para dar-lhe a oportunidade de conviver com Betsabéia e assim pensarem que ele a engravidou. Mas, por alguma razão, ele não quis ficar com ela e logo retornou à sua unidade que estava sitiando uma cidade inimiga. A situação tornou-se desesperadora para Davi, e aí, o diabo sugeriu uma saída genial: mandar Urias, o marido de Betsabéia para o lugar mais perigoso do campo de batalha para que fosse morto pela mão do inimigo. De fato, chegando à linha de frente, Urias caiu atingido por uma seta. Com isto, Davi teve a possibilidade de desposar a viúva e ocultar o crime de adultério. O diabo escureceu a mente de Davi a tal ponto, que ele perdeu a noção do quanto era terrível seu duplo pecado. Somente depois que o profeta Natan com uma parábola levou o rei a pronunciar-se sobre um caso parecido, Davi compreendeu que ditou o veredicto sobre si mesmo. Aterrorizado, ele caiu de joelhos perante Deus e penitenciou-se publicamente. Ele nunca conseguiu perdoar a si mesmo este pecado, continuou a lembrar-se dele pelo resto da vida e deixou-nos a súplica que até hoje comove os corações dos pecadores arrependidos (Salmo 50). Assim, o benevolente Senhor livrou das redes do diabo Seu justo, que havia sofrido uma queda.
Através deste e outros acontecimentos semelhantes o Senhor nos ensina a não sermos confiantes somente em nós mesmos.: "Aquele, pois, que crê estar de pé, veja não caia" (1 Cor. 10:12), quem estaria, então a salvo de suas artimanhas? Por isso, prevenindo - nos, o Senhor ensina: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. O espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca" (Mat. 26:41). Mas o principal método que orienta toda sua atividade e denota seu próprio sentido consiste de mentira - a mais deslavada e impudica mentira, à qual ele, não raro, acrescenta migalhas de verdade para maior verossimilhança. Esta é a razão porque o Senhor chamou-o de "mentiroso e pai da mentira" (João 8:44).
O diabo esforça-se para perverter tudo em nossa imaginação a ponto de tornar irreconhecível: o pequeno insucesso, apresenta como uma tragédia para a qual não há solução, um prazer insignificante ou uma vantagem em uma coisa passageira, como algo da maior importância, - quase a finalidade da própria existência. Forçando-nos a pecar, ele tranqüiliza com o pensamento de que trata-se de uma fraqueza natural, perdoável. Mas, quando o homem cai em pecado, - o diabo leva-o ao desalento e procura convencê-lo de que ele atraiu a ira de Deus e portanto nem adianta penitenciar-se. Ao homem que é dominado por uma paixão, ele afirma que este é muito fraco para tentar corrigir-se. Já um outro, que leva uma vida de santo, procura levar ao pecado do orgulho. Os devaneios dos filósofos e as mais variadas invenções religiosas ele apresenta como notáveis revelações, ao passo que, o ensinamento do Evangelho - como algo tedioso e esquisito. O homem que com toda sua força se dirige para a vida espiritual, ele procura perverter pelo orgulho e confiança excessiva em si mesmo. Às vezes, ele aparece na imagem de um anjo luzente ou do próprio Cristo para que o homem comece a se julgar melhor do que os outros.
Movido pela insaciável sede de poder, o diabo não poupa nem forças, nem tempo para transformar qualquer fraqueza natural do ser humano numa paixão indomável e abjeta. Ele quer que o homem se macule, ficando pior do que um animal. Assim, através do pecado, o diabo adquire o poder sobre ele e o torna seu escravo e sua arma facilmente manejável.
Graças ao Senhor Jesus Cristo este poderio do diabo é frágil e as suas correntes - mais fracas do que uma teia de aranha. Basta que o pecador, em seu arrependimento apele a Deus para que todo o poder do diabo se desmanche como um castelo de cartas. "Para destruir as obras do demônio é que o Filho de Deus veio ao mundo" (João 3:8). "O Senhor é Aquele Forte que prendeu o valente e saqueou a casa dele" (Mat. 12: 29). Portanto, apressemo-nos em procurar ajuda e proteção do Salvador. Com a fé firme e a vida virtuosa enfrentaremos o espírito caído e ele fugirá de nós, segundo a promessa do Evangelho (Tiago 4:7).
https://fatheralexander.org/booklets/portuguese/evil_spirits_p.htm#n5
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