O QUE É O MOVIMENTO DOS IRMÃOS? - parte 5 e final



III. O IDEAL DOS “IRMÃOS” – A UNIDADE DA IGREJA

O ideal dos “irmãos”, desde o início, foi o de se reunirem tendo como única base de comunhão o ser um “nascido de novo”. Buscavam ter a Bíblia como única regra de fé e conduta, não aceitando nenhum outro regimento, ou lista de normas de proceder (como por exemplo atas, lista de pode ou não pode, usa e não usa etc. – parêntese meu), entendendo que isto estabelece condições que não poderão ser aceitas por todos os filhos de Deus.

Os “irmãos” insistiam no dever cristão de manter um alto padrão de conduta pessoal (havendo até um alto grau de ascetismo nos que iniciaram o movimento), no reconhecimento da autoridade das Escrituras, tanto para a conduta pessoal como para guia nas atividades da igreja, bem como a não aceitação de prerrogativas ministeriais; reconhecendo a liberdade do uso dos dons por todos os membros da congregação, conforme a distribuição do Espírito Santo. Entendiam que a Igreja é a comunidade e a unidade de todos os remidos por Cristo. Era sua compreensão que as igrejas locais são autônomas e independentes, sendo unidas somente pelos laços de fraternidade cristã. Consideravam todas as igrejas nas quais há evidência da presença de Cristo nelas, mesmo que use algum nome para caracterizá-la, como uma igreja co-irmã e pertencente à mesma Igreja de Cristo.

A Igreja de Cristo na terra é uma só. Esta verdade é aceita sem maiores dificuldades por todos os verdadeiros cristãos evangélicos. Contudo, quando se referem à Igreja, no seu subconsciente estão se referindo ao seu grupo particular ou às igrejas do seu grupo. Para cada um a Igreja é formada por aqueles que concordam com ele em gênero, número e grau. Os outros, bem, os outros, mesmo que seja um irmão cuja vida reflita que é verdadeiramente um remido por Cristo, e que tenha sido usado pelo Senhor para uma grande obra na sua seara, é considerado apenas como um “meio – irmão”.

No início do “Movimento dos Irmãos” os que participavam das reuniões não tinham a intenção de formar um novo grupo, pois visavam a unidade do povo de Deus. Todavia, em nenhum dos grupos existentes na época, eles encontravam condições para viver de uma forma que alcançasse todos os cristãos. A qualquer grupo que se filiassem teriam que aceitar alguma norma que, por não ser clara nas Escrituras, excluía os outros cristãos que com ela não concordassem. Por esta razão procuraram reunir-se de uma forma que pudessem agir e cooperar com todos, observando somente as Escrituras, sem nenhuma restrição ou preceito além daqueles claramente expressos na Bíblia. Procuravam adotar uma conduta de tolerância nos pontos em que não podiam chegar a um mesmo parecer.

“Por isso nós que desejamos reunir-nos em um terreno comum a todos, de uma maneira que todos possam acompanhar-nos, precisamos ter muito cuidado em não exigir nada que as Escrituras não exijam, ainda que a nova regra pareça muito sensata”.

Não podemos insistir em alguma forma particular de culto ou modo de batizar, visto que a Palavra de Deus não o faz; nem devemos proibir o ministério de um irmão espiritual por ser ele apenas, como dizem “um leigo”, visto que a distinção entre clero e leigo não se encontra na Bíblia”.

A. Posição e Normas dos “Irmãos”

Os princípios que norteiam as assembléias dos “irmãos” desenvolveram-se aos poucos. Desta forma entre 1832 e 1835 já estavam bem definidos. Vejamos a seguir algumas declarações feitas por alguns, dentre os iniciadores do movimento, que mostram a posição dos “irmãos”:

Bellet: “Groves disse-me que segundo o que ele vê nas Escrituras, os crentes, reunidos como discípulos de Cristo, estão livres para “partir o pão” juntos, como o Senhor os exortou, e, seguindo o exemplo dos apóstolos, cada “dia do Senhor” assentarem-se à parte para comemorar a morte do Senhor em obediência ao seu mandado”.

Groves: “Estou pronto a partir o pão e beber o cálice de comunhão com todos os que amam ao Senhor e confessem o Seu nome. Eu considero cada irmão como uma pessoa santa porque Cristo habita nele e se manifesta onde ele O adora. Embora tenha muitas faltas é meu dever, para com meu Senhor, juntar-me a ele como membro do corpo místico de Cristo e manter comunhão e convivência com ele em qualquer trabalho do Senhor em que ele esteja ocupado”.

Ainda Groves em 1934: “Estou plenamente certo daqueles abençoados princípios que o meu Senhor me ensinou e que me alegro em propagar: Obediência a Cristo somente, ver somente Cristo em meu irmão como o alfa e o ômega como condição de comunhão, e, por último, devoção a Cristo somente.

É o simples princípio de união e de amor a Jesus, e não o princípio de unidade de pensamento acerca de coisas menores, a base da reunião para “partir o pão”.

Borlase: “Uma igreja consiste não em ritos e cerimônias, mas ‘onde dois ou três estão reunidos no Seu nome’, ali Ele está no meio deles, e ali há um refúgio para o membro mais fraco do seu povo”.

Não há base para um cristão requerer do seu irmão, senão que ele creia no livre perdão e salvação pela fé em Cristo e mostre evidências de uma vida moldada conforme ao que professa; fidelidade a Cristo é imprescindível”.

Basil Willey: “O Senhor usa aquele que lhe apraz para realizar o trabalho, não havendo entre os remidos de Cristo divisão entre ordenados e não ordenados”.

B. O Batismo

Entre os que pertencem ao grupo dos “irmãos” nunca houve consenso quanto ao modo de batizar e a quem batizar. A conduta seguida sempre foi a de respeitar o modo de cada um entender o assunto. Isto porque, no Novo Testamento, não há uma explicação determinando como fazê-lo, de modo que todos entendam da mesma maneira.

Concluem que se não ficou determinado é indicação de que a forma não é essencial. Entendem também que não há base no Novo Testamento para alguém estabelecer uma forma como correta. Quem usa forma de batismo para recusar ou censurar um irmão, está tomando uma atitude sectária e está sendo intolerante. Quem faz propaganda da forma que aceita como a melhor, ou a mais correta, está trabalhando para uma seita.

Richard Holden escreveu no folheto “A Posição e os Princípios dos vulgarmente conhecidos como – “os irmãos”: A dificuldade desaparece logo que se percebe que no Novo Testamento nunca é o batismo um ato eclesiástico – isto é, ato da igreja ou que pertence às suas atribuições – mas sim, que é puramente um ato individual e, portanto, abrangido pelos termos de Romanos 14, ficando dentro do campo da consciência pessoal. É um ato solene, decerto, acerca do qual cada um tem por dever buscar acerta com a vontade do Senhor, porém um ato que diz respeito unicamente àquele que batiza e ao que é batizado, sem outra ingerência da igreja (At 8:5,12,38; 9:18; 10:48; 16:33; 22:16)”.

Em resposta a um irmão que o consultou acerca do batismo o Sr. Mc Nair escreveu: “É bom notar que as divergências de opinião com respeito ao batismo têm sido motivo de divisão na Igreja de Deus, alguns crentes excluindo os outros que não concordam com o seu parecer referente ao assunto.

Logo que começamos com regras e exigências que não são das Escrituras, somos tão sectários como qualquer outra seita ou secção da igreja que só conhece como membro do seu corpo os que concordam com os seus pareceres particulares.

Não duvido que o inimigo quererá sempre arrastar-nos para um terreno sectário, persuadindo-nos a excluir crentes sinceros, mas com convicções diferentes das nossas. A propaganda sobre formas de batismo e o estabelecimento de “regrinhas” fazem muito mal, e este proceder precisa ter a repulsa franca por parte dos outros que também têm responsabilidade no trabalho do Senhor”.

No início do trabalho dos “irmãos” aqui no Brasil todos irmãos usavam uma só forma de batismo e eram tolerantes, mas com o passar do tempo alguns que adotaram outra forma diferente se tornaram intolerantes e recusamos que não se submetem à forma que acham correta. Assim em muitas igrejas locais, irmãos com uma vida exemplar são impedidos de ministrar e tomar parte na Ceia do Senhor, não por que são infiéis para com o Senhor, mas por não terem sido batizados desta ou daquela forma. Isto é lamentável!”.

IV. STUART EDMUND MC NAIR

Um irmão que atuou no Brasil por cerca de meio século foi o inglês Stuart Edmund Mc Nair. A presença deste irmão no nosso país foi uma bênção, um presente de Deus para as igrejas locais por onde passou. Era maio de 1896, quando o Sr. Mc Nair pisou pela primeira vez em solo brasileiro. Mc Nair conta que por volta de 1888, em Dublin, teve a oportunidade de conhecer o grande ensinador bíblico C. H. Mackintosh. Disse que, devido ao seu amor fraternal, este irmão era notável. Em uma de suas visitas a Mackintosh, em Dublin, lhe falou que tinha a impressão de que Deus o chamava para servi-lo na América do Sul. Ali mesmo, na saída de casa, Mackintosh pôs as mãos sobre a cabeça do jovem Mc Nair e impetrou a bênção de Deus sobre seu futuro na América do Sul. Já no fim da sua vida Mc Nair escreveu: “Se alguém me pergunta se concordo com a ‘imposição das mãos’ dos anciãos, costumo responder que sim e que a tenho recebido”.

Nos lugares que residia, Mc Nair organizava escolas bíblicas para a instrução de moços crentes. Com o intuito de melhor preparar os obreiros, dava cursos que duravam pequenos períodos, indo de um (01) a cinco (05) meses. Em 1933, mudou-se para Teresópolis (RJ), onde montou uma editora à qual dedicava todo o seu tempo. Ali eram impressos o “Boletim Evangélico”, depois a “Biblioteca Evangélica”, e vários livros. Publicou também A Bíblia Explicada, O Pequeno Dicionário Bíblico, além de folhetos e tratados da série SWM (Sociedade Para a Distribuição das Escrituras) de Londres.

Já próximo ao fim da sua vida, Mc Nair, para expressar o que aprendera com meio século de serviço evangélico no Brasil e Portugal, escreveu:

  1. O método “cada crente um obreiro” é a melhor maneira de espalhar o evangelho e promover a vida espiritual dos crentes.
  2. O progresso e aumento de um trabalho não precisa depender de ajuda financeira do exterior.
  3. Não é suficiente evitar o nome de sectário, mas havemos de fugir do espírito sectário também. Nosso amor fraternal deve abraçar todos os crentes na nossa localidade, tanto os que têm como os que não têm nome partidário; pois o inimigo há de procurar semear o sectarismo mesmo no meio daqueles que pregam contra ele. Lamento ter visto alguns lugares onde outrora recebiam todo crente de vida irrepreensível, um novo espírito sectário que quer recusar a comunhão fraternal àqueles que não concordam com um parecer particular sobre certas doutrinas sem importância fundamental, ou que não tenha sido rebatizado depois de crente. Creio que a propaganda do batismo, que tanto tem dividido a Igreja de Deus, deve ser deixada a compreensão individual, visto que a Escritura nunca liga o batismo com a igreja.
  4. Nossos irmãos que estão no denominacionalismo nos são tão necessários e podem ser tão queridos como qualquer outro; visto que a coisa mais importante em cada crente não é a sua atitude eclesiástica, mas “a medida da sua fé” – a medida que ele enxerga o invisível (Rm 12:3; Hb 11:27).
  5. Também foi-me de muito proveito I Ts 5:18: “Em tudo dai graças.” Esta exortação, sendo obedecida constantemente, torna-se um hábito e abençoa a vida.
  6. Tenho visto ser muito freqüente pensar nos outros crentes segundo a inteligência de cada um, tornando-se assim a medida da pessoa pela cabeça. Porém acho mais acentuado apreciá-la “conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um”(Rm 12:3).

O segredo de viver em harmonia com todos encontrei-o em Fp 4:8: “… se há alguma virtude e se há algum louvor, nisso pensai.” O segredo é procurar ver em cada um, tudo que haja do verdadeiro, do honesto, do puro e do amável, evitando ao máximo uma preocupação com o que seja menos louvável.

Não me interessa tanto saber se fulano é instruído ou ignorante, se ele é ortodoxo ou heterodoxo, se ele entende de batismo, mas procuro saber em que medida as coisas invisíveis da vida cristã são para ele atualidades que dão cor e caráter à sua vida.

Do coronel Jacob, que foi meu amigo, protetor, exemplo, enfim, tudo que um pai pode ser, ouvi: “Convém acompanhar tudo que seja de Cristo em qualquer um, e nada que não seja de Cristo”.

OUTRAS FONTES CONSULTADAS

  • Hermelink, Jan. As Igrejas no Mundo: Um estudo das Confissões Cristãs.Editora Sinodal. São Leopoldo, 1981.
  • Erickson, Millard J. Opções Contemporâneas na Escatologia. Traduzido por Gordon Chown. Edições Vida Nova. São Paulo, 1982.
  • Enciclopédia Britânica. 23 vols. Editada por John V. Dodge. Willian Benton Publisher. Chicago, 1964.
  • Enciclopédia Histórico Teológica. 3 vols. Editada por Walter A. Elwell. Traduzida por Gordon Chown. Edições Vida Nova. São Paulo, junho de 1988.
  • Álbum de Reminiscências. 1953. Por S. E. Mc Nair.

Nota: A maior parte deste livreto foi compilado do livro Os “Irmãos”, de Autoria de Silas G. Filgueiras, Petrópolis, RJ; porém, há nele, alguma colaboração do resumista.

Jabesmar A. Guimarães


https://jabesmar.com.br/o-movimento-dos-irmaos/











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