DITOS DE SANTO ANTÃO - 4 - do livro PEQUENA FILOCALIA

 35. Os poderosos que nos obrigam a cometer ações iníquas, com o fito de nos atingirem na alma, nenhum domínio têm sobre ela, pois foi criada para ser livre. Eles podem aprisionar o corpo, mas não a vontade, pois o homem dotado de razão é dela senhor. Graças ao Deus que o criou, manifesta ser mais forte do que toda a autoridade, toda a coação, todo o poder. 

 36. Aqueles que consideram uma desgraça a perda da fortuna, ou dos filhos, ou dos escravos (ou de qualquer outro bem) devem operar uma conversão interior e aprender a contentar-se com o que Deus lhes dá. E, quando for caso disso, retribuí-lo com solicitude e gratidão, sem se sentirem afetados por isso, pois vistas bem as coisas é de uma restituição que se trata: com efeito, aqueles que se servem do que não lhes pertence, ao agirem assim limitam-se a retribuí-lo. 

37. Um homem bom não vende a sua liberdade interior por dinheiro, mesmo quando a oferta é tentadora. Na verdade, as coisas terrenas são como um sonho, e a riqueza não passa de uma ilusão incerta e efémera.  


38. Aqueles que são verdadeiramente homens devem esforçar-se por viver no amor de Deus e na prática da virtude: assim sendo, a sua vida brilhará entre os demais. Tal como a púrpura espalhada, por pouco que seja, sobre a brancura de uma veste lhe infunde uma particular beleza, caracterizando-a de um modo próprio, assim também homens desses observarão de um modo seguro o cuidado das virtudes da alma. 

 39. Os homens dotados de um coração sábio devem não só examinar cuidadosamente a sua força física mas também discernir até onde chegam os poderes da sua alma. Ora, decorrente desse dever um outro surge: resistir ao assédio das paixões, fortalecidos pelo modo como Deus age neste mundo por Ele criado e palco da sua glória. Comportando-se desse modo, viverão cada dia a riqueza do amor de Deus que é sempre indizível e inefável. Por conseguinte, ao viverem o júbilo de uma descoberta que é nova em cada manhã, experienciam determinadas coisas, desenvolvem outras, e cultivam ainda outras. Experienciam e sentem um autodomínio capaz de fazer frente não só ao poder sedutor de uma beleza enganadora mas também a todo o tipo de concupiscência perniciosa à alma; desenvolvem uma salutar resiliência face ao sofrimento e à privação; cultivam uma perseverança capaz de resistir ao insulto soez e à calúnia desprezível; et cetera. 

40. É impossível ao homem tornar-se subitamente bom e sábio. Uma tal bondade e sabedoria não lhe cai inopinadamente do céu. Impõe-se-lhe uma disciplina de vida que combata toda a negligência. Ora, para que tal aconteça é­ -lhe necessário estudo, perseverança, experiência, tempo, prática, desejo ardente de uma ação inspirada pela virtude. Amado por Deus, o homem bom e sábio conhece-o verdadeiramente e empenha-se com afinco na prática de atos generosos, em sintonia com a vontade divina. Mas confessemo-lo, porque confessá-lo é necessário: homens desse quilate são raros. 

41 . Aos homens menos capazes, que desesperam de si mesmos, não lhes convém tratar com negligência e menosprezo a conduta virtuosa amada por Deus, com o pretexto de se tratar de uma conduta para eles inatingível e incompreensível. Pelo contrário, devem exercitar os poderes de que dispõem e cultivá-los. Com efeito, mesmo quando não podem atingir o mais alto nível no concernente à virtude e à salvação, podem, mediante uma prática animada pela força do desejo, tornar-se ou melhores do que são, ou, pelo menos, não piores, o que já é, de algum modo, positivo para a alma. 

42. Pela sua natureza racional, o homem está unido ao inefável e divino poder da razão; mas, pela sua naturexa corporal, tem parentesco com os animais. São, com efeito, em número limitado os homens que mantêm com o seu Criador uma comunhão fecunda de onde emana uma vida virtuosa. Mas são homens desses que, na verdadeira aceção dos termos, mostram ser capazes de elevar até ao seu Deus e Salvador pensamentos nimbados de uma autêntica beleza, bem como de, coerentemente, viver isso numa prática quotidiana, quer ao nível das palavras quer ao nível dos atos. Os outros, na sua maior parte, dão sinais de pobreza no concernente à inteligência da alma, e manifestam indícios de inconsciência da sua filiação divina e imortal; a sua inclinação vai, de facto, para o corpo, vivendo um parentesco com ele, ferido desde já pelo que é efémero e mortal. Não pensam senão nas coisas da carne, como animais destituídos de razão, prisioneiros dos prazeres sensuais, separados de Deus. E desse modo, voluntariamente, interditam os céus à alma, precipitando-a no abismo.

43. Bem diferente, vimo-lo já, é o homem dotado de razão: profundamente empenhado em viver a comunhão com Deus, jamais se enamorará do que quer que seja de terreno ou de abjeto. A sua mente está orientada para o que é celestial e eterno, consciente de que é vontade de Deus que o homem seja salvo. Ora, sabemo-lo muito bem, é a vontade divina que está na origem de tudo o que é bom, pois ela é a fonte das bênçãos eternas concedidas aos homens.

Continua...

FILOCALIA - (coletânea de textos antigos de diversos autores)

Seleção e organização dos textos: 

Fr. José Luís de Almeida Monteiro, OR, Diretor da Biblioteca do Saulchoir (Paris) 

Higumene Arsenij Sokolov, Pároco da Igreja Ortodoxa Russa (Lisboa) 

Departamento Editorial Paulinas 

Tradução do original grego: António José Dimas de Almeida


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