A Vida Monástica

 


A vida monástica na Igreja Ortodoxa

Panayiotis Christou 

Tradução: Pe. Paulo Augusto Tamanini

A origem da vida monástica 

Durante o IV século de nossa era surgiu dentro da Igreja um forte movimento de afastamento da sociedade organizada para o deserto. Um movimento que teve um crescimento ainda maior no período seguinte. Para interpretar este repentino movimento, os historiadores propuseram diversas hipóteses, sendo duas delas as mais aceitas. 

A primeira hipótese: a vida monástica teria sua origem nas religiões orientais, naquelas que praticavam o ascetismo já há muitos anos, tanto em absoluta solidão como em monastérios.

A segunda hipótese: a vida monástica proporcionava uma saída quando o contato próximo do cristianismo com o mundo provocava uma reação com ele, um inevitável desleixo das normas morais.

A primeira das hipóteses carece de fundamento, pois é impossível descobrir historicamente uma conexão entre o ascetismo oriental e a vida monacal cristã. Ademais, se o cristianismo tivesse recebido tal influência e, sendo assim, estamos afirmando que a vida monástica teria surgido dos grupos ascéticos dos essênios, como explicar o fato de a vida monástica ter surgido muito tempo depois do desaparecimento das comunidades dos essênios? O que não significa, contudo, que em suas etapas posteriores, a vida monástica não tivesse certas características comuns com as comunidades dos essênios e com as comunidades neo-pitagóricas.

A segunda hipótese é igualmente inaceitável posto que existiam numerosos ermitões vivendo livremente, já antes mesmo do reconhecimento do cristianismo por Constantino, o Grande. 

A vida monástica é um modo de vida que surgiu dentro da Igreja e se desenvolveu organicamente levando até seus limites os princípios da moral cristã. Com efeito, ainda o cristianismo não nasceu como uma filosofia pessimista, nem como uma força com pretensões de dissolver a sociedade. Regia-se, evidentemente, por princípios diferentes dos da sociedade daquele tempo. Dava atenção àquilo que é o centro da vida e se despreocupava com as coisas periféricas. Uma coisa tinha valor supremo para o homem: a alma. Colocada ao lado do mundo, este insignificante. "E que aproveita o homem ganhar todo o mundo se perder sua alma" ? (Mt 16, 26). As coisas do mundo dificultam os movimentos da alma, e os bens do mundo se acumulam em sua volta, sufocando-a e impedindo que se desenvolva harmoniosamente.

Por conseguinte, para o homem que pretende libertar-se do seu próprio "eu" é esperada uma árdua luta. Esta luta é entre o "eu" que pertence ao mundo com o "Eu" superior e ideal que possibilitará ao homem apresentar-se diante de Deus. Neste esforço, tal como declarou Jesus Cristo, o homem deverá submeter-se a si mesmo como também seus atos a um rigoroso exame. É necessário abandonar muitos bens mundanos para obter o tesouro celestial e submeter-se à prova do sofrimento para purificar sua vontade. 

Baseando-se nestes princípios, os primeiros cristãos viviam de acordo com um plano moral excepcionalmente elevado; mas alguns deles quiseram ascender a uma austeridade maior, privando-se de mais bens e submetendo-se a uma maior auto-moderação, com jejuns e oração. 

Para um cristão o matrimônio é algo honrável, um grande sacramento, mas não deixa de ser uma instituição deste mundo. Por esta razão, quem podia, evitava-o; alguns buscaram uma alternativa, substituindo-o por uma espécie de matrimônio espiritual, na qual o homem e a mulher conviviam em pureza (1Cor 7,36 ss). Muitas viúvas evitavam um outro matrimônio, e as virgens se negavam a casar-se. Estas mulheres se organizavam em sociedades especiais, em primeiro lugar para se proteger, e em segundo, para concentrar suas atividades em trabalhos sociais. É aqui onde encontramos a primeira forma de vida monástica que se desenvolveu dentro das comunidades cristãs organizadas.


O desenvolvimento da vida monástica 

Em meados do século III, a perseguição aos cristãos era tal que muitos se viram obrigados a retirar-se das cidades. No inicio do século IV, a situação piorou ainda mais, e as perseguições se intensificaram . Aqueles que se tinham retirado anteriormente, deveriam permanecer por mais tempo. Acostumaram-se tanto a viver nestes lugares a ponto de estabelecer lá uma morada permanente, longe da sociedade do mundo. 

Cessaram as perseguições, mas a perseguição mundana havia chegado a ser um elemento inseparável da vida dos cristãos, e muitos não podiam conceber uma vida livre de perseguidores. Deste modo se converteram em perseguidores deles mesmos: subiram para as montanhas e se submeteram as privações e sofrimentos. No lugar do "sangue do martírio", resultante da luta entre homens violentos, submetiam-se, eles mesmos "ao martírio da consciência", que consistia na luta contra os demônios. Tempos depois, as montanhas converteram-se em moradas dos ermitões e, gradativamente, em moradas de comunidades organizadas de monges. Com o passar do tempo, cada vez mais os lugares remotos eram buscados como refúgios para os ascéticos, como por exemplo, o Monte Athos e Meteora. Quanto mais longe viviam os ascetas, maiores eram a reverência e a admiração que evocavam das pessoas comuns. 

O primeiro ermitão conhecido foi Paulo de Tebas, mas o primeiro guia da vida no deserto foi Antão, o Grande (356,) cuja vida foi escrita com perspicácia e amor por Atanásio, o Grande. Viveu no deserto mais de setenta anos e só ia à Alexandria quando a ocasião requeria, ou seja, quando sabia de alguma perseguição, dava ânimo aos que sofriam. Sua fama chegou a Constantino, o Grande, que recorria a ele  com freqüência para ter seus conselhos, mediante carta. Mas em particular despertou o entusiasmo de muitos homens simples que imitaram seu exemplo. Levavam uma vida de total isolamento, e somente quando necessitavam conselhos visitavam S. Antão ou algum outro monge maior, ou um abade. Às vezes sucedia que um desses monges maiores falecia, mas passavam dias até que os outros soubessem e pudessem sepultá-los. Cada anacoreta organizava sua própria oração, refúgio, vestuário, alimento e trabalho. O trabalho consistia principalmente em fazer objetos de palha (artesanato) que eram vendidos nos mercados da região. Somente aos domingos caminhavam até a Igreja mais próxima, para rezarem juntos e receber a Sagrada Comunhão. Deste modo, a vida dos ermitões ficava fora do controle total da Igreja. Era evidente que o isolamento absoluto conduzia a ações arbitrárias e não aderia a todas as exigências do Evangelho cristão. Em primeiro lugar, não havia supervisão espiritual dos ermitões e em segundo, suas atividades eram concentradas no serviço ao próximo. Disto se deram conta alguns dos grandes ascetas que empreenderam uma oportuna reforma: Hilário, na região de Gaza; Amônio, em Nitria e Macário em Sketis (Egito). Os três viveram durante o século IV. Fizeram do principal mercado da região, onde os monges vendiam seus produtos, seu centro de ação. Estes mercados receberam o nome de "lavras", mais tarde os estabelecimentos de mercado junto aos monastérios receberam este mesmo nome. 

Os eremitões viviam em numerosos aposentos construídos em torno às lavras a tal distancia que não se podiam ver nem ouvir uns aos outros. Nesta vida comunitária, a independência se submetia a certo limite; ademais, na ascese era possível um elemento de flexibilidade. De tempo em tempo, o chefe da lavra examinava os aposentos e exercia certo grau de autoridade sobre os monges. Todos se reuniam pra a oração em comum aos sábados e domingos.


O sistema cenobítico

Pacômio (346), no Egito, deu um passo adiante. Além da administração e da oração, colocou sob sua supervisão o refúgio, as vestes, a dieta e o trabalho dos monges. Habitualmente viviam em dormitórios espaçosos. Pode-se dizer que, com o sistema de vida monástica, onde os monges vivem juntos, seria mais fácil viver. 

O sistema comunal de vida permitiu que também as mulheres se dedicassem a ascese, optando pela vida monástica. Para elas era perigoso viver totalmente no isolamento. A principal vantagem deste sistema era que o monaquismo poderia participar das atividades filantrópicas.

Que a vida monástica tomasse esta direção, foi a principal obra de Basílio, o Grande (378), Bispo de Cesaréa. Viveu em solidão durante algum tempo em seu sitio, em Ponto, com os membros de sua família. Ali escreveu sua principal obra, "Ascética", que se transformou na base da organização do monaquismo durante o período seguinte. Recomendava aos monges que se reunissem em grupos organizados, de acordo com a natureza social do homem: 

"O homem é um ser dócil e social e não um selvagem e solitário. Já que não há nada que caracterize mais nossa natureza que a de associarmo-nos uns aos outros, necessitamos uns dos outros, e necessitamos amar nossa espécie" (Normas gerais 3,1 Pg 31, 947). 

De acordo com esta norma, os monges deveriam voltar do deserto às cidades e fundar nelas cenóbios filantrópicos. O mesmo Basílio voltou à Cesaréa e organizou um grupo inteiro de instituições beneficentes, que mais tarde receberam, em sua honra, o nome de basílios. Desde o início a direção destes basílios estava nas mãos dos monges a quem chamavam "pais dos órfãos".

O cenóbio poderia considerar-se como a forma final do monaquismo, mas não é assim. Num primeiro momento necessitou o jugo dos ascetas, mais tarde, com certeza, foi mais difícil de suportar. Por este motivo, surgiu na Idade Média uma tendência dirigida a um modo de vida menos estrito que resultou na constituição de uma vida "idiorritmica" . Os "contemplativos", isto é, aqueles que se dedicam à contemplação de Deus, tratavam de exonerar-se de trabalhos práticos e sociais, cuja finalidade era de que nada impedisse seu trabalho espiritual, ao mesmo tempo, os monges mais idosos (ou enfermos) buscavam uma suavização da disciplina. 

Nos monastérios idiorritimicos, a administração, as vestes, a oração, e até certo ponto, a residência, eram comuns. A dieta e o trabalho ficavam fora de controle. Assim aos monges se lhes permitiu a aquisição de propriedades privadas que não poderia superar certos limites. Deste ponto de vista, a vida idiorritimica se pode considerar como um retorno ao sistema comunal da "lavra". Também é uma combinação dos modelos eremitas e comunal de monaquismo. Estes diferentes tipos de monaquismo seguem paralelos ao longo dos séculos. Dentro da tradição eremítica surgiram variações diferentes e interessantes, adotando em certas ocasiões formas extremas. Os confessores se fechavam durante muitos anos em seus aposentos, comunicando-se com o mundo exterior unicamente mediante carta, e para receber sua exígua porção de comida . Os estilitas viviam em ruínas semi-destruídas. Os "loucos por Cristo" viajavam ostentando sua loucura por humildade.

Todas essas modalidades de vida monástica até hoje existem. Os ermitões, podemos encontrá-los quase que exclusivamente nos pontos mais remotos da península do Monte Athos. Os outros dois sistemas, o cenobítico e idiorritimico, nos mosteiros que se espalham em todas as regiões ortodoxas.


Continua...






Tradução do grego: Joaquín Cortès Belenguer


Matéria completa em: https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/monaquismo/a_vida_monastica_na_igreja_ortodoxa_oriental.html

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